segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

O trabalho escravo dos nossos dias


Mais uma entrevista de emprego e é incrível a quantidade de coisas que se aprende sobre o estado do nosso mercado de trabalho numa entrevista de grupo.
Tanto quanto sei, foi um método pouco usual, tendo em conta o que uma amiga minha que trabalha em Recursos Humanos disse. Inicialmente, achei que ia ser mais desconfortável do que o que foi na realidade. Assim que entrámos (13 candidatos), a responsável pela entrevista pediu-nos para escrever o nome numa folha e deixá-lo visível (como se costuma fazer na escola). Pensei logo: "bem-vindos ao primeiro dia de aulas!".
Ela falou um bocadinho sobre a empresa, a história, quantas lojas estão abertas, falou do que seria de esperar de um colaborador, nada demais. Depois chegou a nossa hora de falar. Foi aí que comecei a sentir o nervosismo. Pensei "já não me bastava ter de falar para uma pessoa, agora vou ter de falar para mais 12, 'tá bonito!". Mas à medida que ouvia os outros até chegar a minha vez, fui-me acalmando. Talvez por perceber que alguns estavam a pôr a pata na poça ou por perceber que havia lá mais gente com a minha idade (e do mesmo mês), com a mesma experiência profissional do que eu (ou menos). Parecendo que não, isso deixou-me mais à vontade.
Falando dos que meteram a pata na poça. É impressionante a quantidade de pessoas que se queixaram dos antigos empregos! Parecia mais uma espécie de terapia. Daquilo que tenho visto e do que tenho sido aconselhada, isso passa uma má imagem a nosso respeito pois pode levar os outros a pensar que faríamos o mesmo com a empresa para a qual nos estamos a candidatar.
Por outro lado, ajuda pessoas inexperientes como eu a perceber para onde devo encaminhar mais currículos ou não. Infelizmente, sei que muitas das queixas são reais pois já me deparei com potenciais empregos cujas condições são miseráveis (e até ilegais). É triste que pessoas se aproveitem do desespero de outras para as explorar ao máximo e mais triste ainda que haja quem se sujeite a isso. Se toda a gente recusasse, os empregadores seriam obrigados a mudar. Também sei que muito boa gente não tem grande alternativa do que trabalhar oito horas por dia, com uma folga por semana (ilegal), sem hora de almoço porque não existem funcionários suficientes para cobrir a pessoa durante esse período e a ganhar o ordenado mínimo. Sim, tive uma proposta assim. E pior, queriam entrar em contacto com um professor da minha antiga escola para que este assinasse um papel a dizer que eu ainda era aluna da escola com o objetivo de não fazerem um contrato. A ideia era que aquilo passasse por um estágio. Atenção que já acabei a escola há um ano e meio, no mínimo. Imaginem! Trafulhices e esquemas marados não faltam por aí. Ah! e ainda tentou convencer uma funcionária da loja, na minha presença, a trabalhar das 10h às 10h, sem hora de almoço porque não conseguia arranjar mais ninguém. "Meu Deus! Inês, isso é possível?" perguntam vocês. Oh yah!
Se eu fui para a entrevista falar sobre isto? Claro que não!
Ouvi todo o tipo de desabafos e de histórias do género. Em pensamento só me ocorria "vocês não deviam estar a dizer isso", embora reconheça que seja verdade. Mães solteiras que tiveram de aceitar trabalhos cujas condições eram bastante parecidas com as que acabei de vos descrever e que praticamente não viam os filhos, chefes de família cujas mulheres tiveram um acidente e que por serem a única fonte de rendimento de casa se sujeitaram a trabalhos com turnos de 12 horas quando não era isso que tinha ficado acordado, pessoas que foram demitidas por serem "largas demais", filhos que viram os pais ir trabalhar para o estrangeiro por falta de oportunidades cá, outros que foram obrigados a voltar para a casa dos pais... A lista é longa.
De facto, é triste! Sem se aperceberem, essas pessoas deixaram-me umas boas pistas de lojas ou outros locais onde NÃO trabalhar. Claro que só ouvi uma versão mas, tendo em conta a minha própria experiência e aquilo que me tem sido apresentado, não duvido de uma palavra.
Outra coisa que me surpreendeu foi a quantidade de pessoas que nem sequer tem o 12ºano. Fiquei parva! Uma expressão comum à grande maioria dos entrevistados que tiveram más experiências profissionais foi "tive que sair porque estava quase a ter um esgotamento". Podemos não querer admitir mas estamos rodeados de realidades difíceis. Como se não bastasse, certas empresas crescem e têm lucros exorbitantes à conta dos funcionários que são explorados e "espremidos" de tal forma que não vêm outra escolha a não ser a demissão. Logicamente, é isso que as empresas querem: não ter de pagar indemnizações ou outro tipo de encargos.
Sabem, tive uma estranha sensação de familiaridade. A entrevista foi para trabalhar numa loja perto da minha casa, então muitas daquelas caras eram-me familiares. Pessoas que passam por mim na rua todos os dias, algumas que moram duas ruas acima ou outras que vão buscar os filhos à escola à mesma hora a que eu vou buscar a minha irmã. Pessoas normais como eu que basicamente, e sendo muito franca, fizeram o trabalho escravo dos nossos dias. É bom refletirmos em tudo isso! Parar para pensar em quem está à nossa volta, amigos, familiares, conhecidos, vizinhos. Existe por aí cada drama!
Claro que a entrevista também teve o seu lado cómico. Há com cada cromo! Como um rapaz, homem já, que foi para lá falar do hobbie dele ao mais ínfimo pormenor. Disse que estudava a Idade Média e que procurava saber como é que as pessoas daquela época viviam para recriar tal e qual esse modo de vida. Lá disse também que pertencia a um grupo que recriava essas coisas, que se dedicavam a isso, que não usavam um alimento que tivesse chegado a Portugal no séc. XIX numa recriação do séc. XI (who cares?), que faziam a própria roupa e calçado e que ainda praticava uma luta qualquer dessa época (ele disse o nome mas sinceramente não me perguntem porque eu não percebi). E eu muito atenta a ouvir aquilo mas interiormente só tinha vontade de me rir. "E eu aprendo a usar uma série de armas como as espadas e as flechas e uso uma armadura muito pesada feita com uma cota de malha. Tudo junto deve pesar para aí uns 70 quilos. Às vezes vamos àquelas feiras para representar a Idade Média mas eu gosto mesmo é de brincar com as crianças porque os pais vão para lá dizer que aquilo é um acampamento de índios e depois os miúdos acham que nós temos alguma coisa a ver com os cowboys e eu acho isso estúpido." Estão a ver a peça, não é? Eu só pensava "nunca mais saímos daqui". O melhor foi quando ele se saiu com esta: "já agora aproveito para fazer publicidade e para dizer que nos podem encontrar numa feira que vamos fazer em Montemor-o-Velho". Really? Foi quando ele finalmente se calou.
E foi assim a minha entrevista.
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